“A divergência interna no fisco sobre a mudança de regime contábil nas operações de câmbio foi o artifício criado pela Receita Federal para tentar explicar a briga nos últimos meses entre a secretaria e a Petrobras.
Em maio, a Petrobras reconheceu que mudou a contabilidade de suas operações em dólar no último trimestre de 2008. No mesmo dia, a Receita -à época comandada por Lina Vieira- avisou que o contribuinte não poderia mudar a fórmula de cálculo do imposto ao longo do ano. Em um "esclarecimento" à imprensa, o órgão afirmou que não era permitida "a alteração de critério no decorrer do ano-calendário".
O episódio provocou uma crise no governo e acabou sendo um dos motivos para a demissão de Lina Vieira, que chefiou a Receita por 11 meses. Foi também a munição usada pela oposição para instalar a CPI da Petrobras.
(…) Desde 2000, as empresas podem escolher como calcular o impacto da variação do dólar sobre seu lucro. A opção pode ser pelo "regime de caixa", que permite o cálculo do imposto quando a operação em dólar é liquidada e o dinheiro entra em caixa.
A outra forma é o "regime de competência", com o cálculo considerando a variação do dólar no período, com ou sem o dinheiro ter entrado no caixa.”
Regime de caixa significa que a transação só é contabilizada quando o dinheiro entra ou sai do caixa/conta da empresa. Por exemplo, se eu assino hoje (17 de agosto) um contrato me comprometendo a comprar pelo qual só pago no dia 10 de outubro, pelo regime de caixa a transação só é reconhecida no dia 10 de outubro, que é quando haverá a transação financeira. Pelo regime de competência, a transação é reconhecida no dia 17 de agosto, que é quando a obrigação jurídica foi criada, ainda que o pagamento só seja feito no futuro. Na maior parte do mundo prevalece o regime de competência, pois ele dá maior estabilidade jurídica para todas as partes envolvidas porque ele estabelece que a empresa tem de declarar todas as suas obrigações e direitos de que tem ciência.
O problema enfrentado pela empresa na matéria acima é bem interessante, pois em alguns casos a teoria diz que o regime de caixa pode oferecer maior transparência. Por exemplo, se eu compro uma ação hoje valendo R$10 e amanha ela sobe para R$15, pelo regime de caixa, essa valorização não entra em minha contabilidade, exceto se eu resolver vende-la quando ela está valendo R$15. Isso porque ela pode voltar a desvalorizar antes de eu decidir vende-la; e até que ela seja vendida, tudo o que eu tenho é uma expectativa de aumento de meu capital, e não um aumento em si. Em outras palavras, eu ainda não tenho um “direito”, mas uma “possibilidade de direito”.
O mesmo acontece com o câmbio. Se eu tenho um punhado de dólares, o fato de a taxa de câmbio subir ou descer não me impacta até o momento em que eu realizo a venda da moeda estrangeira. Até aquele momento, tudo o que eu tenho é uma possibilidade de direito.
No caso da matéria acima, a questão não é a mudança das regras do regime de competência para o regime de caixa, mas a partir de quando tais regras passam a valer. A Receita – a quem interessa ter um lucro contábil grande, já que no Brasil o lucro contábil é diretamente relacionado ao IR e à contribuição social – está interessada em impedir que a regra afete as contas do ano na qual ela mudou. Para a empresa, por outro lado, as regras não só podem ser modificadas para o ano corrente, mas podem também impactar os meses anteriores à modificação da regra contábil.